O
especialista em educação Gustavo Ioschpe que acompanhou a Blitz da
educação no Jornal Nacional participou de um bate-papo com internautas no site
do JN. Abaixo, você confere algumas perguntas e respostas .
Qual é o
maior problema da educação no Brasil?
Infelizmente
são vários problemas. A gente pode resumir em um tripé que eu costumo usar para
falar sobre a educação brasileira, que é: formação dos professores, gestão
escolar e práticas de sala de aula. São os três caminhos para a mudança e são
as três áreas que parecem problemáticas hoje. E o quarto item que acho que
também transpareceu nesta série de reportagens é a questão do comprometimento.
A gente vê que, infelizmente, certas escolas, até por estarem inseridas em
zonas de dificuldade, acabam desistindo do aluno com uma rapidez muito grande.
As escolas que dão certo são aquelas que têm um comprometimento até o fim com o
sucesso do aprendizado do aluno.
Quantos
estados não cumprem a lei que determina o piso salarial dos professores?
Na verdade,
que eu saiba, são dois estados: o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, que ainda
questionam juridicamente a aplicação do piso. Mas eu confesso que não tenho
grandes esperanças de que a aprovação e implementação do piso em todos os
estados vá trazer grandes alterações no quadro da educação brasileira.
O que o
público pode exigir dos governos e como fiscalizar o cumprimento destas
exigências?
Eu acho que
a exigência tem que ser por educação de qualidade. As pessoas confundem um
pouco a educação com o ato de estar na escola. Mas só ocorre educação e escola
só merece o nome de escola se seus alunos estão efetivamente aprendendo. Acho
que uma métrica boa e confiável é justamente o Ideb. Não é um índice perfeito,
tem problemas, mas é um índice bastante transparente. É um índice muito bom,
que foca em aprendizagem e aprovação e que está disponível para todas as
escolas do Brasil. Tem a consulta muito fácil no site do INEP e está
reproduzido aqui no site do Jornal Nacional. (COLOCAR LINK). O que me parece um
caminho positivo de mudança e mobilização é que todos os pais e alunos, em
primeiro lugar, se informem sobre o Ideb de sua escola e, ao notar que tenha um
valor baixo, eu diria que abaixo de 5, que procurem entender o porque do Ideb
estar baixo. Procurem um canal de comunicação com a direção da escola, com os
professores e se isso não for suficiente para gerar mudanças concretas, que
levem adiante suas reclamações ao secretário municipal ou estadual de educação.
Me parece bastante surpreendente que não tenha tido no Brasil, pelo que eu
saiba, nenhuma mísera manifestação ou passeata exigindo melhorias da qualidade
da educação. Nós temos muitos movimentos da parte dos professores pela melhoria
das suas questões profissionais, mas não me recordo de ter visto uma
manifestação popular pela qualidade e efetividade da educação brasileira. Acho
que o primeiro passo é se familiarizar com o Ideb, cobrar da sua escola e não
parar de cobrar até que o resultado mude e a situação melhore.
Quais
situações das escolas chamaram mais atenção durante a produção da série?
Duas situações
chamaram bastante atenção, por razões opostas. A primeira foi uma escola de
Belém do Pará que tem um Ideb muito baixo e há um clima de confusão e abandono
que é realmente assustador. Chega ao ponto de não só ter uma paralisação há um
mês e meio das aulas terem sido retomadas após a última greve, como os alunos
não serem nem notificados disso. Como se não bastasse os alunos perderem este
dia de aula, muitos deles fizeram realmente o papel de bobo de ir até a escola
e se defrontar com salas vazias e a ausência total de professores. E o outro
caso que me chamou bastante atenção foi uma escola em Goiânia que nós visitamos
na quinta-feira (19) que é um caso impressionante do poder de recuperação que
uma equipe de professores e especialmente uma diretora comprometida com
mudanças pode ter. Como nós falamos na reportagem, era uma escola que, quando a
atual diretora assumiu o cargo, tinha apenas 67 alunos e estava em vias de ser
fechada. Então, esta diretora assumiu e insistiu para que a equipe fosse
trocada e que só ficassem professores comprometidos com o aprendizado do aluno.
E num prazo relativamente curto, de oito anos ou até menos, essa equipe
conseguiu fazer com que os alunos tivessem um índice de aprendizado compatível
com o que existe hoje nos países desenvolvidos. Então uma mensagem de uma
escola que traz bastante desesperança, mas por outro lado temperada pela
realidade de uma escola que nos enche de esperança e orgulho. E também saber
que sem precisar de recursos financeiros diferenciados, sem estar em bairro
rico ou utilizar tecnologias diferentes, unicamente com a competência, talento
e comprometimento da equipe pode-se gerar sim uma educação brasileira
compatível com a dos países desenvolvidos.
Como aplicar
melhor os recursos do Fundeb?
A minha sugestão
de utilização do Fundeb é algo que eu venho chamando de implementação de uma
lei da responsabilidade educacional. Seria fazer com que as verbas do fundo
deixassem de ser transferidas para a as escolas de acordo com um critério de
necessidade financeira e mais por um critério de melhoria daquela escola. O
Fundeb é um mecanismo que tem como objetivo a recuperação de áreas de grande
miséria, mas quando mantidos no longo prazo, acabam gerando um ciclo em que não
há nenhum incentivo na melhoria da qualidade. Acho que precisamos inverter esta
lógica e fazer com que estes recursos sejam direcionados aos gestores que
estejam mostrando através de resultados concretos, que seria a melhoria no
Ideb. As escolas que tivessem maiores saltos receberiam as verbas do Fundeb de
forma proporcional ao salto que aquela escola deu. É uma proposta que algumas
pessoas consideram um pouco radical e é um pouco diferente da cultura do
pensamento da educação brasileira. Mas acho que é hora de nos darmos conta de
que o pensamento que a gente nutre sobre a educação no Brasil tem gerado
resultados praticamente catastróficos. Então é hora de pensar diferente.
O salário
dos professores é fundamental para a qualidade da educação?
Minha área
de pesquisa é a economia da educação, que não se baseia em teorias ou opiniões
e sim em resultados de estudos reais, com bancos de dados de milhares de casos
e estabelecendo relações através de metodologias sofisticadas de estatística e
econometria. E o que estes estudos revelam e são centenas, tanto no Brasil
quanto no exterior, é que o salário do professor não é uma variável
estatisticamente significativa ou relevante na determinação do aprendizado dos
alunos. A partir de um certo patamar de salário atingido, e acho que no Brasil
já foi atingido desde a época do Fundef, mudanças salariais não tem se
transformado em melhorias da qualidade da educação. Mesmo para quem não queira
ler os estudos econométricos, pode reparar que desde 1995, os salários dos
professores vêm em um movimento contínuo de aumento. E a qualidade da educação
está basicamente estagnada. As notas do sistema de avaliação do ensino básico
hoje são praticamente as mesmas ou até menores do que eram em 1995. Me parece
que há uma literatura muito vasta que aponta uma série de medidas, algumas das
quais gratuitas, que têm muito impacto sobre o aprendizado dos alunos, por
exemplo: dever de casa, avaliação constante e acompanhamento, utilizar material
didático, ter livros e biblioteca dentro da escola, ter uma aula interativa,
etc. Há uma série de itens que tem muito pouco custo e resultado comprovado.
Como política pública, o Brasil deveria estar mais preocupado em implantar
medidas que tenhamos relativa certeza de que terão resultado e custo
relativamente baixo do que continuar insistindo no caminho do aumento do
salário dos professores, que até hoje não se mostrou efetivo nem na história
recente da educação brasileira e nem na literatura especializada.
Quando se
fala em aumento dos professores, as pessoas veem esta questão por dois lados.
Um é aumentar os salários dos professores que estão na ativa hoje para que eles
se sintam mais motivados e tenham resultados melhores. E a segunda é aumentar
significativamente o salário dos professores para que um novo grupo de pessoas
seja atraído à carreira. Pessoas mais qualificadas e que poderiam gerar este
salto na educação brasileira. Quanto ao primeiro argumento, citando novamente
os estudos, eles mostram que não há essa relação. E o problema de aprendizagem
não é na maioria dos casos falta de motivação do professor, mas em muitos casos
falta de preparo, formação adequada, sistemas de gestão que iriam conduzir a
esta melhora. Já em relação a atração de novas pessoas vejo dois problemas com
este raciocínio. O primeiro dizer que 2 milhões de professores, hoje na ativa
não prestam e que não há nada que se possa fazer com eles para que tenham um
rendimento melhor. Eu rejeito este argumento. Acho que os professores
brasileiros têm bastante vontade de acertar e em vários casos estão fazendo um
belo trabalho. E a partir do momento que tenham uma formação correta, o
resultado vai melhorar.
É uma saída
municipalizar a educação no Brasil?
Eu acredito
que em termos de formato, a municipalização, principalmente das séries iniciais
é o caminho correto. Mas não sou uma pessoa que acredita no formalismo da lei
para mudar uma realidade social e política. Enquanto não houver comprometimento
e preparo das pessoas que estão do lado de lá da sala de aula, ou seja,
professores e diretores, e enquanto não existir demanda e exigência do lado de
cá, dos pais e alunos, a situação vai continuar na inércia. O que fica claro é
que esta falta de demanda por uma educação de qualidade faz com que haja uma
acomodação muito grande das pessoas que estão do lado de lá: dos professores,
diretores e especialmente das lideranças políticas. No Brasil, temos a cultura
de que quando há um problema precisamos criar uma lei para resolvê-lo. Por
exemplo, quando se criou a vinculação orçamentária, onde 18% do orçamento da
União e 25% dos orçamentos de estados e municípios fossem gastos em educação,
se imaginava que isso iria garantir para todo o sempre que não faltaria
dinheiro para a educação. Mas o que acontece é que como não há uma demanda por
educação de qualidade, esse dinheiro pode até estar sendo gasto em educação,
mas não traz os resultados necessários. Me parece que um caminho indispensável
para a melhoria é gerar a demanda por melhorias na qualidade da educação por
parte do grande público.
Fonte: http://g1.globo.com