Segundo Telma Weisz, criadora do Programa de Formação de
Professores Alfabetizadores (Profa), do Ministério da Educação, acredita que
ainda há muito a aprimorar na questão da alfabetização, sobretudo porque a
tarefa não é apenas dos professores das séries iniciais. "Estamos sempre
nos alfabetizando, a cada novo tipo de texto com o qual entramos em contato
durante a vida", afirma.
Por
essa razão, tratar leitura e escrita como conteúdo central em todos os estágios
é a maior garantia de sucesso que as escolas podem ter para inserir os
estudantes na sociedade. Mesmo recebendo crianças que não nunca tiveram contato
com o chamado mundo letrado antes da 1ª série, os educadores conseguem
alfabetizar ao final de um ano. "Um
fator determinante para a alfabetização é a crença do professor de que o aluno
pode aprender, independentemente de sua condição social", diz BATISTA,
Antônio.
1-Meus alunos do 1º ano não têm contato com a
escrita, por onde começo?
O
pouco acesso à cultura escrita se deve às condições sociais e econômicas em que
vive grande parte da população. O aluno que vê diariamente os pais folheando
revistas, assinando cheques, lendo correspondências e utilizando a internet tem
muito mais facilidade de aprender a língua escrita do que outro cujos pais são
analfabetos ou têm pouca escolaridade. Isso ocorre porque ao observar os
adultos a criança percebe que a escrita é feita com letras e incorpora alguns
comportamentos como folhear livros, pegar na caneta para brincar de escrever ou
mesmo contar uma história ao virar as páginas de um gibi. Cabe à escola
oferecer essas práticas sociais aos estudantes que não têm acesso a elas. O
ponto de partida para democratizar o contato com a cultura escrita é tornar o
ambiente alfabetizador: a sala deve ter livros, cartazes com listas, nomes e
textos elaborados pelos alunos (ditados ao professor) nas paredes e recortes de
jornais e revistas do interesse da garotada ao alcance de todos. Esses são
alguns exemplos de como a classe pode se tornar um espaço provocador para que a
criança encontre no sistema de escrita um desafio e uma diversão. Outra medida
para democratizar esses conhecimentos em sala de aula é ler diariamente para a
turma. "A criança lê pelos olhos do professor - porque ainda não pode
fazer isso sozinha -, mas vai se familiarizando com a linguagem escrita",
explica a educadora Patrícia Diaz, da equipe pedagógica do Centro de Educação e
Documentação para Ação Comunitária (Cedac), em São Paulo.
2-Quando posso pedir que as crianças escrevam?
Elas
devem escrever sempre, mesmo quando a escrita parece apenas rabiscos. Ao pegar
o lápis e imitar os adultos, elas criam um "comportamento escritor".
E, ao ter contato com textos e conhecer a estrutura deles, podem começar a
elaborar os seus. No primeiro momento, as crianças ditam e você, professor,
escreve num papel grande. Além de pensar na forma do texto, nessa hora os
estudantes percebem, por exemplo, que escrevemos da esquerda para a direita.
"Mostro que a escrita requer um tempo de reflexão antes de ser colocada no
papel", afirma Cleonice Maria Rodrigues Magalhães, professora de 1ª série
da Escola Municipal Agnes Pereira Machado, em Catas Altas (MG). Ela participou
do Programa Escola que Vale, que capacitou professores de 1ª a 4ª série do município
durante dois anos e meio. Antes da escrita, as crianças devem definir quem será
o leitor. Assim, quando você lê o texto coletivo, elas imaginam se ele
compreenderá a mensagem. Nas primeiras produções haverá palavras repetidas,
como "daí". Pelo contato diário com textos, os alunos já são capazes
de revisar e corrigir erros. "Com o tempo, antes mesmo de ditar, eles
evitam repetir palavras e pensam na melhor forma de contar a história",
afirma Rosana Scarpel da Silva, professora do Infantil IV (6 anos), da Escola
Municipal de Educação Infantil Maria Alice Pasquarelli, em São José dos Campos.
Em paralelo, é importante convidar a garotada a escrever no papel. Isso dá
pistas valiosas sobre seu desenvolvimento.
3-Como faço todos avançarem se os níveis de
conhecimento são muito diferentes?
Não
há nada melhor em uma turma que a heterogeneidade. Como os níveis de
conhecimento são variados, existe aí uma grande riqueza para ser trabalhada em
sala. Organizar os alunos em grupos e duplas durante as atividades é
fundamental para que eles troquem conhecimentos. Mas essa mistura deve ser
feita com critérios. É preciso agrupar crianças que estejam em fases de
alfabetização próximas. Quando você coloca uma que usa muitas letras para
escrever cada palavra trabalhando com outra que usa uma letra para cada sílaba,
a discussão pode ser produtiva. Como elas não sabem quem está com a razão,
ambas terão de ouvir o colega, pensar a respeito, reelaborar seu pensamento e
argumentar. Assim, as duas aprendem. Isso não ocorre, no entanto, se os dois
estiverem em níveis muito diferentes. Nesse caso, é provável que o mais
adiantado perca a paciência e queira fazer o serviço pelo outro.
4-Faz sentido oferecer textos a estudantes não
alfabetizados?
Canções,
poesias e parlendas são úteis para se chegar à incrível mágica de fazer a
criança ler sem saber ler. Quando ela decora uma cantiga, pode acompanhar com o
dedinho as letras que formam as estrofes. Conhecendo o que está escrito, resta
descobrir como isso foi feito. Se o aluno sabe que o título é Atirei o Pau no
Gato, ele tenta ler e verificar o que está escrito com base no que sabe sobre
as letras e as palavras - sempre acompanhado pelo professor. O leitor eficiente
só inicia a leitura depois de observar o texto, sua forma, seu portador
(revista, jornal, livro etc.) e as figuras que o acompanham e imaginar o tema.
Pense que você nunca viu um jornal em alemão. Mesmo sem saber decifrar as
palavras, é possível "ler". Se há uma foto de dois carros batidos,
por exemplo, deduz-se que a reportagem é sobre um acidente. Ao mostrar vários
gêneros, você permite à criança conhecer os aspectos de cada um e as pistas que
trazem sobre o conteúdo. Assim, ela é capaz de antecipar o que virá no texto,
contribuindo para a qualidade da leitura.
5-Como seleciono e uso os textos em sala?
Segundo
Patrícia Diaz, do Cedac, é preciso ter critérios e objetivos bem estabelecidos
ao escolher os textos. Por exemplo: se ao tentar diversificar os gêneros você
ler um por dia, os alunos não perceberão as características de cada um. "O
ideal é que a turma passeie por diversos gêneros ao longo do ano, mas que o
professor trace um plano de trabalho para se aprofundar em um ou dois",
afirma. Patrícia sugere a narração como base para o trabalho na alfabetização
inicial, pois ela permite ao aluno aprender sobre a estrutura da linguagem e do
encadeamento de idéias. A escolha dos textos deve ser feita de acordo com o
repertório da turma. É preciso verificar se a maioria dos alunos passou ou não
pela Educação Infantil, que experiência eles têm com a escrita e que gêneros
conhecem. Durante a leitura de uma revista, por exemplo, é importante chamar a
atenção para títulos, legendas e fotos. Assim, as crianças aprendem sobre a
forma e o conteúdo. Se o texto é sobre plantas, percebem que nomes científicos
aparecem em itálico. "Por isso é fundamental trabalhar com os originais ou
fotocópias", ressalta Patrícia. Adaptar os textos também não é
recomendável. As crianças devem ter contato com obras originais, uma vez que,
ao longo da vida, serão elas que cruzarão o seu caminho. Se um texto é muito
difícil para turmas de uma certa faixa etária, o melhor é procurar outro, sobre
o mesmo assunto, de compreensão mais fácil.
6- Ao fim do 1º ano, todos devem estar
alfabetizados?
Não
necessariamente, apesar de ser recomendável. Se a criança foi exposta a textos
e leituras variadas e teve oportunidade de refletir sobre a língua e produzir
textos, é bem provável que ela termine essa série alfabetizada. Mas isso
depende de outros fatores, como ter cursado a Educação Infantil e recebido
apoio dos pais em casa. "Crianças que não têm esse contato com textos e
que não convivem com leitores podem precisar de mais tempo para aprender o
sistema de escrita. Mas minha experiência mostra que nenhuma criança leva mais
de dois anos para isso", diz a educadora Telma Weisz, de São Paulo. Como
na educação não existem fôrmas em que se encaixem as crianças, é papel da
escola oferecer condições para que elas se desenvolvam, sempre respeitando o
ritmo de cada uma. Quando se adota o sistema de ciclos, isso ocorre
naturalmente, pois os alunos têm possibilidade de se aperfeiçoar no ano
seguinte. Quando não há essa chance, eles correm o risco de engrossar os
índices de reprovação. O aluno pode iniciar a 2ª série ainda tendo que melhorar
a sua compreensão sobre o sistema de escrita, mas ao fim do segundo ano a
escola teve tempo suficiente para ensinar a todos.
7-Preciso ensinar o nome das letras?
Sim.
Como a criança poderá falar sobre o que está estudando sem saber o nome das
letras? Ter esse conhecimento ajuda a turma a explicar qual letra deve iniciar
uma palavra, por exemplo. Para ensinar isso, basta citar o nome das letras
durante conversas corriqueiras. Se a criança está mostrando a que quer usar e
não sabe o nome, basta que você a aponte e diga qual é. Trata-se de algo que se
aprende naturalmente e de forma rápida, sem precisar de atividades de decoreba que
cansam e desperdiçam o seu tempo e o do aluno.
Fonte:
educarparacrescer.abril.com.br